Prolegómenos | Delimitação do objecto | Aproximação ao problema
É hoje consabido que a relação obrigacional, maxime a relação contratual, não se reconduz a uma estrutura formalista, tipicamente estática, onde predominariam unicamente prestações primárias ou típicas. Este desenho obrigacional, definitivamente ultrapassado nas concepções hodiernas obrigou, desde logo, a considerar uma relação obrigacional dinâmica, complexa, compaginável com a realidade da vida prática onde, ao lado das prestações típicas que configuram o arquétipo obrigacional, emerge um feixe imenso de direitos e deveres e, bem assim, de ónus e expectativas, os quais se afiguram altamente complexos e entrelaçados, de tal sorte que é curial e pacífico falar-se em «relação obrigacional complexa» ou «complexidade intra-obrigacional», dada a multiplicidade de elementos jurídicos que se podem desentranhar da relação creditícia («Schuldverhältnis im weiterem Sinn»).
Destarte, encontra-se hoje pacificamente sedimentada a distinção entre prestações primárias ou típicas, deveres secundários e deveres acessórios ou laterais de conduta, como elementos jurídicos que coexistem na estrutura obrigacional. A natureza auxiliar ou acessória dos deveres laterais, oscilando entre a sua previsão típica no programa contratual – ou a sua origem legal – e as valorações heterónomas da ordem jurídica, resultado de princípios éticos e de uma aproximação entre o universo jurídico e considerações de índole ético-valorativa suscitam alguns questões no que concerne ao regime de responsabilidade aplicável em caso de inadimplemento, problema que não se afigura isento de escolhos e com diferentes respostas na doutrina e na jurisprudência.
Com efeito, a sua natureza instrumental, funcionalizada à prossecução da prestação principal, a sua longevidade (nascendo antes ou independentemente da existência de uma relação obrigacional, e prolongando-se após o desfecho desta), a sua feição fiduciária, assumindo-se como garantes de uma conduta proba, leal e expectável das partes no desenrolar da relação, bem como a desnecessidade de tais deveres estarem explicitamente inscritos no programa contratual suscita difíceis e interessantes questões, as quais não têm merecido resposta uniforme por parte da doutrina e jurisprudência.